Noto hoje uma certa desilusão que está espelhada nos seus olhos.
Um olhar quase perdido, um cansaço que parece muito pouco natural e é mostrado pelas olheiras e cantos da boca descaídos. Apresenta também uma incapacidade comunicativa até com a família. Não sei o que o preocupa e eventualmente nem os mais chegados saberão.
Perguntei-lhe o que se passava. Não mo disse como seria de esperar. Algo lhe consomia as entranhas. Eu próprio que não confio nas pessoas não posso pedir propriamente a sua confiança incondicional, no entanto continuei a insistir.
“Li um artigo num jornal de referência e fiquei...” fez uma pausa angustiada. “...terrivelmente triste e desiludido com a humanidade que julgava exisitir.” Eu percebi o que queria dizer. Sabia de que artigo estava a falar. Aliás, vou registá-lo para futura investigação da sua psique se necessário.
http://www.publico.pt/Mundo/juarez-entre-a-vida-a-morte_1449749?p=1
Perguntei-lhe o que o incomodava nesse artigo. Ele não foi muito concreto, mas reparei com facilidade quando lhe comecei a fazer perguntas sobre o mesmo: era a condição a que a mulher era sujeita de mero objecto sexual sem qualquer tipo de respeito. Quando confrontado com isso notei que até as lágrimas lhe vinham aos olhos. Perguntei porquê?
“É impossível Senhor Doutor,...amar alguém, ser humano, e fazer algo tão mau, tão rancoroso como apoderarmo-nos do corpo de uma mulher sem o seu consentimento...” as pausas aqui eram constantes. “Doutor, como é possível um ser humano não respeitar a condição mais básica de outro? Nem animais o fazem. Que somos nós?”
Percebi o que queria dizer mais uma vez. As palavras podiam não ser as mais correctas mas era de facto expressivo o seu olhar. Quando li o artigo não fiquei tão afectado pelo seu conteúdo mas pessoas mais sensíveis como era o caso, poderiam senti-lo de outra forma.
Preocupava-o o facto da maldade humana ser quase um fenómeno de grupo. E assim era. Começo a notar que este homem tem muito medo de fenómenos de grupo. Ele tem a ideia, nem sempre fundamentada, que é em grupos que muitas vezes se cometem erros para uma vida. É visível que ele tem um controlo sobre si próprio que roça quase a obsessão. Nota-se que ele quer ser um modelo, até porque quando perguntei se queria ter filhos ele disse que sim e que o que mais gostava era de ser um bom pai, mas acima de tudo uma boa pessoa para essas crianças. No entanto, de onde vem esta obsessão? Tento trazê-la ao de cima mas é muito difusa. Ninguém na família tem este tipo de problema ou esta tendência a imiscuir-se deste tipo de situação. Ele quase que procura uma heterogeneidade das pessoas que o rodeiam. Para se sentir superior? É algo ainda a ver, mas penso que as suas pretensões são mais básicas, até porque não tem tendências megalómanas, isto à primeira vista, porque a avaliação é ainda superficial.
No entanto consegui traçar quase há uma década atrás a origem desta sensibilidade à maldade humana. A sua infância se bem que supostamente perfeita confrontou-o com situações de puro bílis humano. Relatos do próprio dizem que em criança foi vítima de maus tratos por parte de colegas mais velhos, nada de grave claro, mas situações que seriam consideradas agora bullying. Um fenómeno sobre a qual ele se ri e que terei que analisar porquê. Aliás, ele fala sobre isto de ânimo leve, se calhar porque sente que é algo que já é passado e que nunca o afectou, embora obviamente talvez tenha tido repercussões no seu comportamento actual.
A maldade para ele subjacente ao comportamento humano é normal e ele tenta abstrair-se de toda a humanidade. Confrontado com comportamentos que seriam normais para qualquer pessoa da sua idade ou do seu meio social ele abomina tais situações, não se mostra totalmente abjecto a estes comportamentos e é até tolerante, mas nota-se que não os compreende, embora faça um esforço para os perceber.
O cansaço anteriormente falado pode até advir daí. Da sua tentativa de constantemente se tornar emiscível na sociedade comum, sem no entanto se tornar anormal. É o que se costuma chamar de agradar a gregos e a troianos e isso deve ser cansativo para alguém tão novo e ainda tão imaturo.
Noto no entanto que este homem tem um respeito enorme pela condição humana, principalmente pelas mulheres. Nota-se que ele ama incondicionalmente aqueles que lhe são queridos e que coloca sem qualquer dificuldade a sua vida em risco pela daqueles que ama. Embora ele acredite que a maldade é intrínseca à humanidade e, segundo ele, saiba que ela também está presente nele, todos os seus relatos mostram um bom coração quase uma bondade, que mais uma vez segundo o que diz, é cada vez mais latente, porque ele acha que o mundo não é recíproco.
“Doutor se alguém lhe faz mal o Doutor também quereria certamente vingar-se dela, se laguém lhe mata um familiar desejará a morte dessa pessoa ainda mais dolorosa, não é verdade?”
Obviamente a este comentário respondi com um sim, porque não podia mentir ao paciente.
“Mas então, assim onde está o lugar ao perdão e à humanidade. Quem fere com ferro com ferro será ferido? Olho por olho, dente por dente? Sim eu sei Senhor Doutor, é muito difícil perdoármos alguém e eu próprio admito que se alguém matasse alguém que eu amo eu teria toda a capacidade para retribuir na mesma moeda, nem que isso levasse ao meu sofrimento. Mas sei que não deveria. Ninguém deveria, até porque ninguém deveria ser mau ao ponto de cometer qualquer atrocidade desse género. Não é aqui a questão do que nasceu primeiro como o ovo e a galinha, a maldade ou a vingança. Nenhuma destas duas devia ter nascido e isso na condição humana assusta-me.”
Com este comentário pensei sobre a condição humana e realmente o seu pensamento faz sentido ainda que possa estar um pouco desligado da realidade psicológica a que estámos habituados. No registo da sua fala noto muitas vezes a palavra amor, acredito que não é dito de ânimo leve, mas é de facto interessante ele usar esta palavra para com coisas tão trivias, no entanto sem abusar dela ou sem a tornar vulgar.
Um olhar quase perdido, um cansaço que parece muito pouco natural e é mostrado pelas olheiras e cantos da boca descaídos. Apresenta também uma incapacidade comunicativa até com a família. Não sei o que o preocupa e eventualmente nem os mais chegados saberão.
Perguntei-lhe o que se passava. Não mo disse como seria de esperar. Algo lhe consomia as entranhas. Eu próprio que não confio nas pessoas não posso pedir propriamente a sua confiança incondicional, no entanto continuei a insistir.
“Li um artigo num jornal de referência e fiquei...” fez uma pausa angustiada. “...terrivelmente triste e desiludido com a humanidade que julgava exisitir.” Eu percebi o que queria dizer. Sabia de que artigo estava a falar. Aliás, vou registá-lo para futura investigação da sua psique se necessário.
http://www.publico.pt/Mundo/juarez-entre-a-vida-a-morte_1449749?p=1
Perguntei-lhe o que o incomodava nesse artigo. Ele não foi muito concreto, mas reparei com facilidade quando lhe comecei a fazer perguntas sobre o mesmo: era a condição a que a mulher era sujeita de mero objecto sexual sem qualquer tipo de respeito. Quando confrontado com isso notei que até as lágrimas lhe vinham aos olhos. Perguntei porquê?
“É impossível Senhor Doutor,...amar alguém, ser humano, e fazer algo tão mau, tão rancoroso como apoderarmo-nos do corpo de uma mulher sem o seu consentimento...” as pausas aqui eram constantes. “Doutor, como é possível um ser humano não respeitar a condição mais básica de outro? Nem animais o fazem. Que somos nós?”
Percebi o que queria dizer mais uma vez. As palavras podiam não ser as mais correctas mas era de facto expressivo o seu olhar. Quando li o artigo não fiquei tão afectado pelo seu conteúdo mas pessoas mais sensíveis como era o caso, poderiam senti-lo de outra forma.
Preocupava-o o facto da maldade humana ser quase um fenómeno de grupo. E assim era. Começo a notar que este homem tem muito medo de fenómenos de grupo. Ele tem a ideia, nem sempre fundamentada, que é em grupos que muitas vezes se cometem erros para uma vida. É visível que ele tem um controlo sobre si próprio que roça quase a obsessão. Nota-se que ele quer ser um modelo, até porque quando perguntei se queria ter filhos ele disse que sim e que o que mais gostava era de ser um bom pai, mas acima de tudo uma boa pessoa para essas crianças. No entanto, de onde vem esta obsessão? Tento trazê-la ao de cima mas é muito difusa. Ninguém na família tem este tipo de problema ou esta tendência a imiscuir-se deste tipo de situação. Ele quase que procura uma heterogeneidade das pessoas que o rodeiam. Para se sentir superior? É algo ainda a ver, mas penso que as suas pretensões são mais básicas, até porque não tem tendências megalómanas, isto à primeira vista, porque a avaliação é ainda superficial.
No entanto consegui traçar quase há uma década atrás a origem desta sensibilidade à maldade humana. A sua infância se bem que supostamente perfeita confrontou-o com situações de puro bílis humano. Relatos do próprio dizem que em criança foi vítima de maus tratos por parte de colegas mais velhos, nada de grave claro, mas situações que seriam consideradas agora bullying. Um fenómeno sobre a qual ele se ri e que terei que analisar porquê. Aliás, ele fala sobre isto de ânimo leve, se calhar porque sente que é algo que já é passado e que nunca o afectou, embora obviamente talvez tenha tido repercussões no seu comportamento actual.
A maldade para ele subjacente ao comportamento humano é normal e ele tenta abstrair-se de toda a humanidade. Confrontado com comportamentos que seriam normais para qualquer pessoa da sua idade ou do seu meio social ele abomina tais situações, não se mostra totalmente abjecto a estes comportamentos e é até tolerante, mas nota-se que não os compreende, embora faça um esforço para os perceber.
O cansaço anteriormente falado pode até advir daí. Da sua tentativa de constantemente se tornar emiscível na sociedade comum, sem no entanto se tornar anormal. É o que se costuma chamar de agradar a gregos e a troianos e isso deve ser cansativo para alguém tão novo e ainda tão imaturo.
Noto no entanto que este homem tem um respeito enorme pela condição humana, principalmente pelas mulheres. Nota-se que ele ama incondicionalmente aqueles que lhe são queridos e que coloca sem qualquer dificuldade a sua vida em risco pela daqueles que ama. Embora ele acredite que a maldade é intrínseca à humanidade e, segundo ele, saiba que ela também está presente nele, todos os seus relatos mostram um bom coração quase uma bondade, que mais uma vez segundo o que diz, é cada vez mais latente, porque ele acha que o mundo não é recíproco.
“Doutor se alguém lhe faz mal o Doutor também quereria certamente vingar-se dela, se laguém lhe mata um familiar desejará a morte dessa pessoa ainda mais dolorosa, não é verdade?”
Obviamente a este comentário respondi com um sim, porque não podia mentir ao paciente.
“Mas então, assim onde está o lugar ao perdão e à humanidade. Quem fere com ferro com ferro será ferido? Olho por olho, dente por dente? Sim eu sei Senhor Doutor, é muito difícil perdoármos alguém e eu próprio admito que se alguém matasse alguém que eu amo eu teria toda a capacidade para retribuir na mesma moeda, nem que isso levasse ao meu sofrimento. Mas sei que não deveria. Ninguém deveria, até porque ninguém deveria ser mau ao ponto de cometer qualquer atrocidade desse género. Não é aqui a questão do que nasceu primeiro como o ovo e a galinha, a maldade ou a vingança. Nenhuma destas duas devia ter nascido e isso na condição humana assusta-me.”
Com este comentário pensei sobre a condição humana e realmente o seu pensamento faz sentido ainda que possa estar um pouco desligado da realidade psicológica a que estámos habituados. No registo da sua fala noto muitas vezes a palavra amor, acredito que não é dito de ânimo leve, mas é de facto interessante ele usar esta palavra para com coisas tão trivias, no entanto sem abusar dela ou sem a tornar vulgar.
1 comentário:
a maldade do grupo.
No entanto as maiores atrocidades que podemos cometer contra nos proprios podem ser feitas a dois, ou até sozinhos. Que mundo paranoico e incongruente..
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