segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Adereços

Os adereços são desnecessários geralmente mas ao mesmo tempo sei que são indispensáveis. Assim não basta o aspecto, não podemos dizer que somos quem somos e quem gostar gosta, a simpatia, o riso, o cheiro, a conversa, tudo isso são adereços que a juntar ao nosso aspecto mudam a ideia que têm de nós.
Tenho tentado juntar todos os adereços possíveis não para as outras pessoas mas para mim, para me sentir bem, ou melhor comigo próprio.
Hoje fui imbuído de levar um senhor muito amigo da nossa família até ao médico. E assim, acordei cedinho, peguei no Toyota (que maravilha de máquina, ensina a conduzir cada vez que pegamos nele), e fui buscar o senhor. Amigo da família há muitos anos, inimigo da sua há mais, conversámos imenso no carro e na rua, no consultório, o senhor Alves que eu desconhecia e que tinha uma filha no Ismae juntou se a nós e falou-se muito do futuro do país. De engenheiros, médicos, políticos e advogados. Sublinho as conclusões de pessoas que andam aqui há muito mais tempo que eu e devem portanto ser ouvidas. Os testes de admissão a determinados cursos em que as ordens detêm um poder demasiado grande deviam existir, um controlo melhor do número e saída de licenciados, porque infelizmente estámos a formar mais médicos do que os necessários e mesmo assim as falhas acentuam-se. A ordem dos advogados tem a reputação na lama e "mais depressa vou ao bruxo que a um advogado", os engenheiros cada vez sabem menos, embora sejam mais honestos que qualquer advogado, até porque a profissão permite. Aquilo custa 10 e funciona a 100, já um advogado não pode fazer isto.
Lembro-me há muito tempo de ir à rua de Ceuta no Porto, onde haviam mais advogados, não sei se hoje ainda é assim, sei que na altura entrámos no gabinete de um advogado que se dava pelo nome de Gonçalo Coelho, Costa, não me lembro, mas começava com C. Correia talvez. Penso pelas conversas que já morreu, mas lembro-me daquela figura e do olhar. Era alto, tinha o cabelo branco, não me lembro se era branco ou não, mas já naquele tempo tinha um computador, eu lembro-me porque passado um ano ou dois recebi o meu primeiro. Acho que era um Olivetti. Mas enfim, lembro-me de falarem e ele ouvir, sem apontar, a olhar nos olhos, até para mim e lembro-me de estar encolhido, porque ele fazia perguntas e falava alto e claro. Também me lembro de ter entrado e ele já saber o meu nome e me ter apertado a mão. Não me lembro se era fria ou quente, mas fria não devia ser porque eu tinha medo disso. Imaginem um advogado há mais de 15 anos a apertar a mão a um miúdo de 6 e preocupar-se com saber o nome. Ele tinha todo o caso estudado, sabia o que fazer. Sabia falar embora eu não percebesse patavina mas fiquei com aquela imagem marcada. Lembro-me de outro agora, um Doutor que tinha uma casa perto de Coimbra, não interessa agora nomes. Lembro-me de ele me andar a ensinar a nadar e ajudar a fazer um borrego. Aprendi aí a embrulhar o arroz em jornais para ficar saboroso. Médico lembro-me do Doutor Couto, que é uma pessoa calma, de mãos quentes e grandes, que nos transmite calma mas quando fala é assertivo, sem manobra para discussões e saímos sempre de lá sem preocupações nem que se esteja a morrer, parece que só vê o lado positivo e transmite isso aos doentes.
Por outro lado, não conheço nenhum engenheiro que me tenha ficado no olho uma única vez. Aliás, nem sei porque quero ser engenheiro, nunca ninguém na minha família esteve ligado a este ramo, já pelo contrário a família distante está ligado à medicina, a design e artes mais leves.
No entanto, um engenheiro inspira mais confiança, é mais concreto, menos lírico, o estrato social continua a ser o mesmo há anos e tem conhecimento que é de fácil transmissão e as pessoas no geral gostam de ser informadas, de aprender.
Infelizmente hoje em dia não vejo nem em mim nem em ninguém esta postura e capacidade de convencer, de ser bom profissionalmente e capaz. No fundo acho que não somos ensinados para tal e temos que procurar este conhecimento fora dos meios convencionais, porque está mais que visto que não é na faculdade que se encontra aquilo que toda a gente diz: conhecimento, postura, capacidade,.. é uma miragem e digo que o que me torna uma melhor pessoa está fora da faculdade, na minha família essencialmente e pessoas próximas.

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