Entra pela janela vidrada uma luz suavemente vermelha de um amanhecer pouco
distante que pinta todo o quarto de uma tez lasciva. Os teus cabelos negros
impregnam o ar de um perfume delicioso que conseguiria distinguir no meio de
uma multidão. Mergulho neles, sentindo o seu perfume e textura delicada que
rasga a minha face num sorriso de deleite. Paro para te ver. Vejo um pescoço
delicado, uma face onde a luz incide diagonalmente deixando perceber a doçura
angelical da pele.
Sinto o teu calor num arrepio prazeroso de felicidade. Consegues tirar-me
as preocupações e fazer esquecer o mundo apenas com a tua presença. Lembro-me
de ontem: da tua voz macia, dos teus movimentos calmos e seguros próprios de
quem está ciente da sua superioridade em relação às demais. Anseio por ver de
novo o teu sorriso aberto mas comprometido porque sabes que a felicidade é
muito mais que uma noite ou uma eventualidade. Lembro-me de tudo. Faltam-me hoje as palavras para te descrever tal como na noite em que te conheci debaixo daquelas
luzes brancas e macilentas embora já muitas vezes tenha pensado em ti. Nenhuma luz te conseguia tirar o brilho, o interesse
ou a beleza. A tua incomensurável beleza pautava todos os meus movimentos,
olhares e a própria respiração eliminando qualquer autonomia de pensamento que restasse. A partir daquele
momento o passado, o presente e o futuro fundiram-se: passei a ser teu, ontem,
hoje e amanhã.
Fecho novamente os olhos e aproximo-me de ti num sonho longe da realidade.
Sem saber o teu nome ou conhecendo sequer os teus hábitos entrego-me a um amor
feliz só por te ter visto. No fundo, de uma má
interpretação de Platão nasce um amor contente, cheio de saudade dos teus olhos
azuis e cabelos negros. Vi a mulher mais bonita do mundo e apaixonei-me, orgulhoso.
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