segunda-feira, 26 de abril de 2010

O começo - IV

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Caminhei até à porta e através do olho mágico na porta vi que era a Zoe.

Conheci-a há cerca de um ano em plena rua, numa daquelas cenas que só em filmes ou livros é que acontecem. Distraída e com algumas malas na mão ela tinha-me atropelado mesmo à saída de uma mercearia perto da estação de metro em Paddington. O encontro acabou com ela a pagar-me as compras que tive de fazer de novo na mercearia e comigo a pagar-lhe um café numa Starbucks em Passmore Street, na zona de Chelsea, depois de termos percorrido o Hide Park, enquanto falávamos sobre os mais diferentes temas.

Ela tinha voltado da Áustria após seis meses a estudar na Universidade de Tecnologia de Graz, engenharia biomédica. No entanto, voltava agora para o Imperial College. Nesse dia acompanhei-a a casa e fiquei a saber que morava poucos quarteirões longe de mim em Spring Street além de ter ficado com o seu número de telefone.

Era uma rapariga muito bonita, alta, tinha olhos verdes e era morena. Os dedos nas mãos eram compridos e nodosos e o corpo modelado, não poucas vezes homens na rua ficavam com o olhar preso nas linhas da Zoe. O seu tom de pele era escuro. Mais tarde vim a saber que ela era descendente de italianos da zona de Lucania, refugiados durante a Segunda Grande Guerra aqui. O seu nome completo era Zoe Lorenzo De Luca, um nome bonito para uma mulher bonita. Só as mulheres do mediterrâneo tinham aquele encanto sedoso e leve mas ao mesmo tempo o temperamento quente e explosivo. Zoe era assim.

Não a esperava a estas horas, mas era sempre bom encontrá-la. Escusado será dizer que eu tinha um fraquinho por ela, mas acho que todo o homem que a conhecesse como eu também teria, não era todos os dias que estávamos com uma mulher bonita e inteligente e com aquela atitude alegre, forte e decidida.

A Dacia gostava imenso dela e correu deitando por terra o saco que Zoe trazia na mão. Enquanto ela lhe afagava as orelhas e o pescoço eu peguei no saco e o zumbido voltou aos meus ouvidos, desta vez fortíssimo. Obrigou-me a ajoelhar e a pôr as mãos na cabeça. Ecoava nos ouvidos, nos ossos, todo o meu corpo rangia numa dor electrizante. Mas como tão repentinamente tinha aparecido aquele som estridente também desaparecera. Zoe olhava para mim espantada. Não expressou qualquer reacção durante algum tempo.

- Estás bem? - Perguntou por fim.

Acabei por responder que sim, embora os dois soubéssemos que não.

- Já hoje de manhã estava assim. Devo ter arranjado uma otite.

- Vamos lá ver se consigo ver isso. - Disse ela enquanto me ajudava a levantar.

Entrámos de novo em casa e perto de uma janela com a fraca luz do dia, ela tentou ver se se passava alguma coisa de anormal.

- Não pareces ter nada.

- Se calhar porque não tenho, foi uma queda de tensão de certeza, ainda não comi nada hoje. - Disse eu, embora soubesse muito bem que não podia ter sido isso.

- Ahh! E como é costume não tens nada em casa... - disse ela abrindo o frigorífico e vendo apenas o pacote de leite e uma embalagem de mostarda.

Assenti um bocado embaraçado, mas a programação da minha vida não era mesmo o meu forte.

- Bem vamos à rua então. Mas primeiro quero mostrar-te isto.

E retirou do saco que trazia um conjunto de cartas exactamente igual àquele que eu tinha encontrado naquela manhã. Obviamente fiquei espantado. Apenas balbuciei:

- Zoe, eu tenho recebi umas exactamente iguais hoje.

E dirigi-me ao quarto para as ir buscar. Virava a esquina e entrava na porta do quarto quando por momentos tudo se apagou. Escuro. O negro e infindável escuro. Apenas as batidas do coração numa imensidão de preto. Era assim que devíamos ouvir os nossos últimos batimentos cardíacos antes de morrer e depois o silêncio. O eterno silêncio.

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