sábado, 24 de abril de 2010

O começo - I

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Onze da manhã. O dia estava triste e cinzento. Nada era mais habitual em Londres do que a névoa com que todos os dias se mostrava ao mundo. E porque havia Gloucester Terrace de ser diferente? A mesma luz cinzenta de todos os dias entrava pelas cortinas azuis e desbotadas que em tempos deviam ter sido bonitas mas, que agora nada mais eram que farrapos. O relógio na mesinha de cabeceira marcava 10 e 49. Por um olho entreaberto e ensonado vi que ela ainda ali estava. A minha Golden Retriever tornara-se uma cadela pachorrenta: a idade tem o dom de acalmar os espíritos mais foliões, não que a Dacia tivesse sido a mais divertida das cadelas mas, já tivemos os nossos tempos de diversão quando éramos mais novos. No entanto, já estava acordada. Estava à minha espera.
Sempre fui preguiçoso, mas hoje tinha dormido mal, e a cama não era tão confortável como o habitual. Havia algo de diferente. Estava demasiado desperto. Puxei de novo os cobertores e envolvi-me no lençol até à cabeça ficar totalmente coberta. Tenho o hábito de dormir totalmente coberto e muito sinceramente não faço ideia como nunca morri sufocado.
Tinha tempo. Tentei dormir. Dei voltas e voltas, revirei-me mas hoje estava inquieto. Algo se passava. Havia um zumbido forte nos meus ouvidos, impressão minha de certeza. Endireitei-me um pouco até ficar sentado na cama. O espelho mesmo em frente a mim reflectia, com a pouca luz que lhe chegava, o meu cabelo desgrenhado e a minha face sombria. Levantei-me e abri um pouco as cortinas. A luz morrinhenta entrou e iluminou o desarrumado quarto. Nunca tive uma educação rígida e agora como adulto era muito desleixado com as minhas coisas. A roupa estava espalhada pelo pequeno quarto que podia pagar. Voltei a sentar-me na cama.
Uma nuvem espessa passava lá fora e o quarto escureceu. Havia uma carreira de formigas a passear-se no parapeito. Sempre admirei a organização delas e a sua tenacidade em atingir os seus objectivos. Nunca vou ser assim pensei na altura.
De repente senti algo espesso e quente a correr-me no nariz. Estava constipado e pensei que apenas estivesse sujo mas, assim que a nuvem passou vi ao espelho que era sangue. Não era nada habitual. Nem lhe tinha mexido. E aquele zumbido nos ouvidos era tão...incomodativo.

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