quinta-feira, 17 de março de 2011

Fidalguinhos da Paupério - Uma tese sobre uma bolacha

A bolacha, desprezada geralmente em relação a um bolo ou a uma tosta, acompanha-nos desde o neolítico, ou seja desde que a cozinha é documentada, (Cookies and Crackers, Time/Life Books, 1982 (pág 5)) e é um dos melhores alimentos num pequeno-almoço rico em, bem, comida quando não temos tempo nem dinheiro para mais nada.
Mas se remontarmos a um passado menos…neolítico, o termo “bolacha” aparece pela primeira vez em 1703 (The Oxford Companion to Food, Alan Davidson ,Oxford University Press:Oxford, (page 212)) porque enquanto os marinheiros andavam no regabofe das viagens low cost em navios de madeira e a visitar locais ainda hoje exóticos, tinham alguma vergonha da sua sexualidade e já aí não ficava bem dizer que comiam bolachinhas. Ficava-lhes melhor o escorbuto ao que parece. Mas o facto é que naquela altura só os espanhóis tinham laranjas e talvez a compota de laranja não tivesse sido inventada, mas se alguém ainda pensar em fazer algo do género não se esqueçam das Pim de laranja: “O remédio para todo o escorbuto.”
Certo é que as bolachas têm duas aplicações (Oxford Encyclopedia of Food and Drink in America, Andrew F. Smith editor [Oxford University Press:New York] 2004, Volume 1 (p. 317-8)). Por uma lado temos a bolacha prática, simples e que retira a fome e que anda esfarelada na carteira de uma senhora que tenta emagrecer ou no bolso de um homem que só quer pagar o café. Pode também andar em bolsos de treinadores ou professores universitários, mas isso já é um biscoito! Por outro lado a bolacha pode ser sensual, criativa, arte até. Pode-se até molhar em líquidos leitosos, barrar cremes doces (não “chegar”!), e passa-lo no corpo fremente do companheiro sexual com um suspiro de satisfação, um marinheiro com escorbuto…
…Hoje em dia existem montes de bolachas essencialmente devido à disponibilidade de bicarbonato de sódio, açúcar e farinha (Oxford Companion to Food, Alan Davidson [Oxford University Press:Oxford] 1999 (p. 76)), mas será mesmo assim?
O estudo realizado sobre centenas de inquiridos (Eu e as minha múltiplas personalidades) revela que sempre que um indivíduo vê alguém a comer uma bolacha se lembra de uma personagem particular: O monstro das bolachas. Intimamente ligado ao consumo das mesmas, a sua relevância é enorme principalmente nos hábitos alimentares das crianças, como prova a BBC que lhe cortou na dieta pois influenciava os pequerruchos a comer bolachas (e não a ir comer cenoura frita no Macdonald’s).
No entanto, hoje só uma bolacha me interessa. A história é longa, complicada, perversa até. No desejo ardente de perder a minha virgindade, saltei o muro de casa (valente ah?!) e fui ao supermercado munido de 80 cêntimos de euro (1.12$ à cotação de 17-3-2011), uma loucura eu sei. Vi a bolacha perfeita, caiu-me o olhar na sua embalagem vistosa e tudo ali foi fogo entre nós. Imaginei-me a retirar o embrulho plastificado, a escolher onde colocaria primeiro a mão e em que parte daria a primeira trinca. Imaginei-a até a ser confeccionado, ao calor, suada, polvilhada de gotas de açúcar derretido.
Trouxe! Uma caixa! Não resisti…deixei-a deitada na mesa, para de manhã usufruir dela a meu belo prazer e dormi sobressaltado uma noite inteira com o prazer a picar-me a carne e a incendiar-me a alma!
Desci, coloquei um leite quente a aquecer, lavei os dentes de antemão para sentir o sabor mais intensamente e assoei o nariz (sim grande do prazer na ingestão de alimentos parte do nariz, mais propriamente do epitélio olfactivo que juntamente com as papilas gustativas envia informações sobre os alimentos para o centro do olfacto e gosto) mas principalmente para não a envergonhar.
Preparado sentei-me e deitei-lhe o meu olhar sensual, abri com calma a embalagem, deixei o som do rasgar troar no ar qual gemido de prazer e lambi os lábios de antecipação, peguei numa bolacha, uma “fidalga” leve e branca, mas curva, e ia a dar-lhe a primeira dentada…espera aí! Pensei. Isto não é uma bolacha normal, como vou trincar a primeira vez? É a mais importante! Não pode ser assim! Vamos lá ver. Abri o Excel…
Peguei na bolacha e analisei com o paquímetro.
Varia entre os 3 e os 4 cm’s com uma certeza de 95% e média estabelecida nos 3.5%. Em comprimento pode chegar aos 9 cm’s. Logo uma área de cerca de 30 cms quadrados. Não é de facto uma bolacha normal. Procedi a testes. Virei-a de costas. Não. Ao alto, também não. Trinquei-lhe de lado, depois do outro, abri-a em duas, molhei-a.
Todas as formas me pareciam prazerosas! “Mãe, estou louco, louco…” dizia Nietzsche, ao passo que eu, dizia “Mãe, Nom nom nom, nom nom”.
Conclusão
A bolacha do Senhor Paupério é extremamente agradável ao olhar ao tacto ao sabor, ao cheiro, ao ouvido no seu jeito crocante e até ao sexto sentido sem saber bem porquê. Com apenas 71% de farinha, 17% de açúcar e 6% de margarina, pergunto-me para onde vão os outros 6%, certamente para o sal, leite condensado, fermento e canela (0.07%) e os conservantes (E320 e 321).
Fidalguinhos - Uma especialidade da Paupério (Cortesia: Paupério)
Para terminar a tese, é de facto uma boa bolacha, no entanto mais estudos para apurar a sua aceitação noutras pessoas seriam necessárias já que a amostra populacional é relativamente fraca e só representa 25% da população (cá de casa já que o meu irmão e os meus pais se recusaram determinantemente a participar no estudo alegando imaturidade não esclarecendo se deles ou minha).

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