domingo, 31 de maio de 2009

A arte que é a escrita e bala.


A arte que é a escrita é tão neutra, tão bela como a arma que dispara em direcção ao alvo uma bala em fogo. O vôo, o prazer de quem silva tão depressa a distância a um coração. A palavra é a bala que alcança quem se quer.
A palavra é aquela que faz ricochete nas paredes de metal e ecoa quando é atirada sem sentido, sem direcção. Desgovernada. E acaba por parar desamparada no mar de balas que é o oceano de desperdícios. Que fluentes são esses rios que chegam e desaguam na falta de civismo, de respeito e amor.
Ah, e aquelas que nos atingem, param o cérebro, tiram a fala e qualquer reacção. Um tiro na cabeça, no lobo frontal, inconsequente, indolor, cheio de poder e força como quem arranca uma vida ou de quem abre os olhos de alguém que dormiu a vida toda: "gosto de ti" ou "és divertido". E as outras? Aquelas que não nos matam, ficam alojadas para sempre na carne infeccionam e corroem as pessoas: "és horrível".
Com o tempo a carapaça cobre-nos e evita estilhaços de um mundo cheio de balas perdidas, ignorantes no trajecto e no porquê de baterem recordes de velocidade. Que Deus me dê essa carapaça, que me dê o poder de abstracção e o filtro de escolher os tiros e as feridas que recebo. Mais que tudo, que me dê a arma da qual posso usar em necessidade e o porte da mesma, porque não quero ser só mais um que as usa inconsequentemente sem formação para a tal.
Quero ser neutro, não precisar de disparar, ser feliz e ter a arte em mim que é a de manter a bala no tambor e o revólver no coldre que é a minha boca. Assim serei feliz na minha capa protectora de kevlar e não serei apenas o giz que toda a gente pisa.

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